sábado, agosto 31, 2013

A hostilidade gradual das coisas

Sempre achei que coincidências não existem. Pelo menos em relação a objetos e máquinas. Vejam só o que aconteceu nestas duas semanas aqui em casa: a máquina de lavar pratos parou de funcionar e teve que ser retirada para a oficina. O cano da pia da cozinha furou. Nossa empregada faltou durante 10 dias (dengue). Tive que desmontar o ventilador do escritório, pois um fio se partiu dentro dele. As fechaduras do apartamento, tanto a dos fundos como a da frente, quebraram no mesmo dia, e tive que trocá-las com o mesmo chaveiro naquele dia (quase ficamos na rua). O aspirador de pó portátil começou a exalar um cheiro de queimado. 
Fui procurar uma explicação científica para o fato.
Achei-a.
O efeito Clark-Trimble ou
a Hostilidade Gradual das Coisas
.
Clark-Trimble foi um eminente psicólogo de Cambridge. Durante uma pesquisa sobre a relação entre períodos do dia e temperamento humano, chegou à conclusão de que a baixa dinâmica humana no início do dia não era suficiente para explicar a hostilidade aparente das coisas à mesa de café da manhã - o modo como o mel gruda entre os dedos, a dificuldade de abrir o jornal etc. Ele apresentou em 1935, perante a Royal Society em Londres, a experiência que finalmente confirmou sua visão. Clark-Trimble organizou quatrocentos tapetes arrumados por ordem de qualidade, desde uma esteira grossa e barata até a caríssima seda chinesa. Então classificou, pesou e mediu pedaços de torrada com geléia, e derrubou-as sobre cada pedaço de tapete, analisando estatisticamente a incidência de fatias que caíram com a geléia para baixo. As torradas caíram sempre com a geléia para cima nos tapetes mais baratos, exceto quando o tapete barato foi separado do resto (nesses casos a torrada não sabia que Clark-Trimble tinha outros tapetes melhores), e caíram sempre com a geléia para baixo na seda chinesa. Mais notável de tudo, a incidência de geléia para baixo variou exatamente com a qualidade de tapete.
O sucesso destas experiências despertou a atenção Clark-Trimble para outras pesquisas sobre resistentia, um fato que foi diretamente responsável pelo fim trágico e súbito de sua carreira, quando pisou em um ancinho na Escola de Agronomia de Cambridge.
Também Noys e Crangenbacker fizeram um trabalho nessa área nos EUA. Noys realizou milhares de experiências nas quais pessoas de todas as idades e sexo, sentadas em cadeiras de todos os tipos e feitios, deixavam cair um lápis no chão. Em apenas três casos o lápis caiu ao alcance das pessoas. Já o trabalho de Crangenbacker se situa mais no campo social-industrial, em problemas específicos como se um trem ou metrô pararão com a porta defronte a você em uma plataforma lotada, ou se haverá uma caixa de correio no seu lado da rua quando você quer postar algo.
Ah, minha obturação de ouro do molar caiu na quinta-feira.
Quase engoli a dita.

Ver mais em Winner, Langdon, Autonomous Technology:
Technics-out-of-Control as a Theme in Political Thought :"Other adherents to the doctrine of technological autonomy have included Thomas Carlyle, Charles Dickens, Ralph Waldo Emerson, Nathaniel Hawthorne, Henry Thoreau, Mark Twain, Henry Adams, John Ruskin, William Morris, George Orwell and Kurt Vonnegut" (Winner 1977, p. 19)